Capítulo 9 - Decisão


Voltei para casa sozinho, assim como havia ido.
Agora os holofotes iluminavam distintamente o céu, pondo em evidência os pontos brilhantes que formavam constelações. Os edifícios da grande cidade estavam de ponta a ponta iluminados, de cores neons variantes de azul a rosa. Enquanto pedalava em um ritmo irregular de volta para casa, devido ao comum trânsito do horário, peguei o caminho perto do mar, perto da ponte. Fitava gloriosamente tudo à minha volta.
Eu beijara Bruna. Claramente que, por motivos de urgência, mas beijara.
Um beijo simples, apenas um toque com os lábios, mas quem se importa?
Só nosso. Era o que importava. E provara também que eu possuía certa coragem, um passo um tanto satisfatório no meu caso.
Guardei a bicicleta na garagem, logo depois refrescando meu rosto na piscina coberta, ao lado da garagem. Subi as escadas, empolgado e ao mesmo tempo confuso, indo direto à ducha.
Liguei o computador enquanto desabava na cama, rindo de mim mesmo. Estava sem fome, pois abusara das pipocas e de um lanche na saída inacreditável.
Pensara no dia inteiro, desde as ainda inacreditáveis horas na escola sem Mariana, e todo o percurso pelo shopping e o cinema. Observei o teto de meu quarto, enxergando cenas nas quais eu ia passar maior parte do tempo lembrando.
Lembrei primeiro do maravilhoso e quase paraíso ocorrido há cinco meses, nosso primeiro beijo. Pude relembrar como era apoderar-me de seus lábios intensos, carnudos e corados. Macios como algodão e deliberadamente quentes, que nunca saciavam-se com o que tinham, no caso, minha boca. Foi exatamente assim naquela enevoada noite, onde nossos lábios se encontraram, juntamente com o batimento de nossos corações.
Depois, quase pude sentir a textura doce de sua boca hoje, se não fosse pelo medo e pela frieza. Ela não retribuiu, mas fui bem capaz de relembrar como era.
Refletindo tamanha frescura, me levantei e sentei na cadeira do computador. Abri meu e-mail, tendo duas mensagens novas.
“Gui” Começava a primeira mensagem.

Como você vai? É incrível o que dois dias sem nos falar faz, não é?
Minha irmã está bem, graças. Ela fez a cirurgia e está se recuperando bem. Minha tia não pára aqui na casa, mesmo que o estado de Júlia esteja ótimo, ela passou os dois dias dormindo no hospital. Estou falando do computador velho do sótão, já que minhas primas não me deixam mexer no delas.
Minha avó mandou um enorme abraço pra você, e quando eu voltar, vou te entregar uma surpresa.
Nesses dois dias longos e estranhos nesta cidade mais estranha ainda não parei de pensar em você. Juro.
Sinto muito sua falta,
Mariana

Sem piscar, abri a outra mensagem da mesma remetente.

Ah, que cabeça a minha! Esqueci de falar o mais importante.
Te amo muito.

Reli os e-mails, indeciso.
Fechei rapidamente a página do e-mail, desligando o computador. De repente ficara com uma forte dor de cabeça, como se meus pensamentos fossem cortados.
Soquei a parede com raiva, sem sentir dor nas falanges. Não acreditava no modo como Mariana, ao mesmo tempo que levava meu estado de espírito para longe, desacordando-o, entorpecendo-o, tirava também de mim meus bons momentos e coisas que eu tinha prazer em lembrar. Sabia que não era sua intenção fazer isso, pois era inevitável.
Repousei na cama, vestindo meias brancas. Encostei a cabeça no travesseiro, pensando no que acabara de ver. Memorizara as palavras na cabeça, avaliando o efeito de cada uma, apesar delas não serem um pingo de novidade. Tentei pensar novamente em Bruna, seu coração palpitando forte nos dois momentos extraordinários que tivemos, mas não obtive sucesso. Mariana continuava totalmente firme, ocupando toda minha mente. Passei algum tempo relembrando nosso beijo, nossas conversas, e principalmente como era bom estar na sua presença.
Aprendi a lidar com isto.


— Não tenho dúvidas, meu irmão, você está se desligando de Bruna – afirmou gloriosamente o Pedro, enquanto roubava a bola de basquete de mim.
— Não estou perdidamente apaixonado por Mariana, Pedro! – gritei comicamente, quando ele se desviara de mim, mirando a esfera diretamente na cesta. A bola rodou no aro, e caiu fazendo barulho.
Corri para ela.
— Não estou dizendo isto, babaca – riu – mas que você finalmente está dividindo a atenção que tinha por ela com Mariana, e isto é tão bom que, no seu lugar, eu gritaria de felicidade.
— Pode ser que não – consegui pegar a bola, e arremessei na cesta contrária – Tenho um medo maior de que esteja machucando Bruna, e nem isto consigo distinguir. Acho que o beijo de ontem não ajudou absolutamente em nada.
— E além do mais, se você se sente tão bem com ela, e isso foi bem provado ontem ao ler o e-mail dela, tem que aprender a dividir a atenção e saber lidar quando machucar alguma das duas, e prepará-las para isto. Que saco! Bruna não fará o maior escândalo se você passar um dia inteiro com Mariana, e acredito que nem Mariana faria o mesmo.
Empatei o jogo, enterrando a bola na cesta alta.
— Não sei.
— Além do mais, tenho certeza que um namoro com ela te faria muito bem.
Tentei agora tornar-me mais compreensivo, entender o efeito das palavras de Pedro. Tentei absorver aquilo, sendo que não era só ele que já comentara. Lembro que Mônica já disse que ela me ajudaria a esquecê-la, mas para mim era perdidamente impossível.
Fiz outra cesta.
— Por um lado pode dar certo; não penso em Bruna quando estou com ela... mas o convívio diário com ela pode fazer com que eu me acostume... e volte a pensar em Bruna – disse, totalmente hesitante.
Pedro assentiu.
— Mas também pode ser quer isso não aconteça, que Bruna vire apenas uma boa amiga. Não custa tentar – disse ele, parando para tomar água.
Parei a sua frente.
— Pedro, não é questão de tentar ou não, porque não envolve só minha vida – falei, incrédulo com a falta de pensamento dele – Mariana me ama. E eu – hesitei – vou usá-la para esquecer Bruna?
— Todo mundo faz isso.
Não acreditei no que ele disse. Pedro não podia ser tão infantil assim.
— E é por isso que todo mundo se dá mal.
— Mas você gosta de Mariana, e isso pode justificar muito bem.
— Não quero iludi-la – murmurei, a frieza tomando conta de mim. Estava ficando com raiva. Soltei a bola, que rolou até os pés de Pedro.
— Não vai! – disse ele, cuspindo sua irritação – Se começar a iludi-la, vai terminar com ela e você mesmo vai passar a mão em sua cabeça. Tudo estará certo. E é para seu bem. Acredito que se ela soubesse, entenderia. Não deixaria escapar esta oportunidade!
Dei uma risada sarcástica, dizendo que ia embora. Ele me levou até o portão de seu condomínio, e andei lentamente até em casa.
Namorar com Mariana. Não me soava empolgante, no entanto também não parecia um monstro. Não poderia ser ruim, afinal que eu me sentia tão bem perto dela.
Eu ansiava para experimentar como seria o começo daquilo, se realmente acontecesse: ficaria horas entorpecido, sem pensar em Bruna, apenas curtindo a presença e todo o amor que Mariana tinha a me oferecer, todo o amor que eu necessitava. Mas, para meus revezes, meu maior medo era de não conseguir fazer feliz a pessoa a quem eu só queria bem, e machucá-la, como eu achava que estava fazendo com Bruna.
Voltei para casa, não parando de raciocinar nas consequências que aquilo viria a me trazer. Uma fria garoa começou a cair, provocando algumas faíscas de choque em minha pele. Eu estava quente, e as gotas frias pouco a pouco me jogaram à realidade, congelando meus braços nus.
Entrei em casa, fazendo as coisas diárias sem perceber. Minha mente ainda longe dali, posso falar que há milhas. Quando me dei conta, estava a mais de vinte minutos debaixo da ducha, e desliguei, com a mesma questão martelando...
Valeria a pena namorar Mariana?
Pedi a Belinda avisar minha mãe quando chegasse em casa. Mesmo que fosse algo rotineiro conversar com Mônica, agora soava um pouco mais para motivo de ficar completamente nervoso. Não saberia como começar, não saberia do que falar. Naquela hora, Mônica aparentava mãe de verdade, daquelas do gênero das quais não se conversa sobre tudo, não como ela era realmente para mim.
Sem perceber, acabei cochilando.
Sonhei que os papéis se inverteram, onde eu namorava Bruna mas quisesse apenas Mariana.
No sonho, eu fitava Mariana intensamente a cada passo seu. Estávamos em uma danceteria, e seu par era Pedro.
Nunca consegui imaginar Pedro com Mariana. No entanto, lá estavam os dois, agarrados e envolvidos em uma dança, em um sonho mais real do que a própria realidade.
Bruna, que não mais pertencia aos meus verdadeiros desejos, tentava arrancar minha atenção e alguns beijos meus. Minha vontade de beijá-la resumia-se a nada, o que era teoricamente impossível, e então, aconteceu.
De repente, Bruna soltou-se de meus braços frouxos aos berros, reclamando alto. Porém nenhuma de suas palavras faziam sentido. Pôs-se a chorar desesperadamente, fazendo todos ali à minha volta pararem de dançar, e fugiu do ambiente.
Despertei com minha mãe à minha frente. Não enxerguei quase nada, apenas alguns pedaços embaçados.
Um sinal, seria bem provável.
— Calma, Guilherme. Vá lavar o rosto.
Cambaleei direto ao banheiro. Enxagüei meu rosto, enquanto tentava ouvir as palavras de minha mãe:
— Belinda disse que você queria falar comigo. Que pediu para lhe avisar quando eu chegasse... E aqui estou eu.
Não consegui responder, lembrando da cena ocorrida há meses. Um sonho desesperador, minha fala que não conseguia sair. Meu estômago agitando-se nauseantemente.
— Filho? - indagou ela, caminhando preocupada até a porta de meu banheiro.
Fiz força para a voz sair.
— Você... acha... que devo namorar Mariana?
O favorável foi que eu sabia que Mônica nunca contrariaria alguma palavra minha sobre minha fase da adolescência. Poderia soar totalmente fútil o que acabara de sussurrar, mas ela entendeu facilmente.
Veio para meu lado e acolheu meus ombros de uma forma impossível de permanecer duro.
— Conte-me tudo.
Sentei na beirada de minha cama e comecei a murmurar toda a história, inclusive o sonho que acabara de ter.
— Hoje ela me enviou um e-mail - disse, enquanto ligava o computador para lhe mostrar. Silenciei por alguns momentos, tentando tomar fôlego e não pensar no sonho que tivera. Mostrei-lhe o e-mail, fugindo das palavras que me entorpeciam facilmente, do mesmo que me cegavam. Fitei o relógio, que marcava 21:19h. Esperei, vagando os olhos por todo o ambiente familiar, e finalmente ela suspirou.
— O que aconteceu depois que você leu? - questionou, em tom maternal.
— Tem também a outra mensagem.
Mônica abriu o outro e-mail, lendo rapidamente em pensamento.
— Não consigo mais pensar em Bruna quando Mariana faz alguma coisa para mim. Sinto uma espécie de torpor, como se toda minha história com Bruna ou qualquer coisa parecida se dissipasse.
Ela assentia, encostando as costas na cabeceira de minha cama.
Não consegui parar de falar.
— E hoje, quando fui para o prédio de Pedro, ele disse que isso era muito bom. Mariana poderia servir como algo para esquecer Bruna, já que eu gosto dela e ela me retribui mais do que mereço.
Obviamente, isso não ia adiantar quase nada, mas depois é questão de continuar a enganá-la ou terminar com ela.
Me olhou com rispidez, como se soubesse que eu estava exagerando.
— Foi mais ou menos assim - continuei.
— Sabe, Guilherme, nunca te ensinei a fazer essas coisas. Isso é pura influência de seus amigos, por mais que eu goste deles.
— Sei bem disto, afinal Pedro disse hoje que todos faziam isso. Namoravam outra pessoa quando queriam esquecer outra.
Tamanha sinceridade incomodava minha pobre progenitora.
— Nunca pensei que Pedro fosse capaz de dizer isto! - sua expressão era engraçada - Mas você sabe muito bem, que não é por isto que você vai namorá-la, não é?
— Sim - concordei sem ânimo.
— Que foi?
— Não é entusiasmante. Não tenho vontade de fazer isto, mas também não é ruim.
Mônica refletiu por alguns instantes. Fitei o que dava para ver do céu azul-escuro de minha varanda, coberto de pequenos pontos brancos.
— Você vai fazer isto mais pelo o que a menina faz. Ela faz você esquecer Bruna.
— Não concorda comigo, mãe? - perguntei, distante. Hesitei. - Para fazer bem para mim. Vai fazer bem a ela também.
— E quando você não a quiser mais?
— Vou fazer o possível para isto não acontecer - Pisquei um olho.
Sorriu.
— Ah, entendi. É assim que se fala - seu sorriso estampou o resto da face, mergulhando nos olhos grandes e prata. - Vou jantar. O que vai comer?
Jantei, ainda pensando. Era uma coisa que exigia tempo, eu precisava sentir novamente o resultado de como era estar na presença de Mariana. Não precisava ser realmente estar com ela, apenas mais uma mensagem, ou uma ligação.
E o telefone tocou.
Como sempre ocorreu comigo, a voz de quem menos queria ouvir estava ali, pendurada ao aparelho telefônico, com sua dona há algumas centenas de quilômetros.
Não demorara alguns segundos e minha decisão estava confirmada. O timbre feminino e fino de sua voz afastou de mim todas as reflexões e conceitos que levei a tarde toda para raciocinar, e enfim, lá estava uma única idéia, um único pensamento.
— Oi, Mariana.
Conversamos durante uma hora. Colocamos os assuntos essenciais aos mais inúteis em dia, absorvendo ao máximo toda a ilusão que ela criava enquanto balbuciava palavras melosas e cafonas, mas um tanto reconfortantes.
Desliguei a chamada, um pequeno sorriso estampado no rosto. Porém, debrucei-me sobre a escrivaninha, com a cabeça baixa e pus-me a pensar novamente, e deixava sem querer todo aquele bem que Mariana fazia sobre mim escapar lentamente.
Mas, de uma coisa estava devidamente correto. E antes de mais nada, teria que 'preparar' Bruna para isto, assim como ela pedira.
Era necessário prepará-la para o choque de anos de uma amizade sem ninguém para interferir, para dar uma pausa em nossa amizade que mais aparentava um namoro, assim como simplesmente queria, apenas com alguns argumentos físicos para acrescentar, meu desejo era tão fútil que nem eu mesmo acreditava.
Não podia imaginar que no lugar das diversas festas que fui, dos aconchegos em casa, da pipoca compartilhada durante um filme romântico no inverno, de uma noite inquieta na casa de algum amigo, eu não teria Bruna ao meu lado, não teria seu corpo quente e disposto sempre a me acompanhar onde eu fosse, ou vice-versa. Agora eu ignoraria, com a atenção voltada apenas para minha nova namorada, a qual me causava só bem e conforto.
Não podia imaginar que estava despedaçando orgulhosamente nossa parceria de doze anos, por motivos egoísticos. Motivos nos quais, o objetivo era causar bem a mim mesmo, que nunca fora feliz o suficiente para me manter.
Mas lá estava eu, de pé à porta do modesto apartamento de Bruna, em plena 22h. Quando se tratava de algo que estragaria tudo, não importava o horário.
Tocara a campainha, esperando por sua silhueta generosamente definida e encantadora; que em pouco tempo, eu esqueceria.
— Oi - pronunciou ela, ao abrir a porta. Sua voz doce e deslumbrante. A diferença ainda permanecia, não era fácil para ela esquecer aquele beijo. Estava de regata preta e um shorts jeans provocante, mas me concentrei para não desfocar do que tinha em mente. Não podia mais me iludir, não seria necessário.
— Precisamos conversar - logo despejei. Enrolar pioraria a situação, a indiferença não adiantaria de nada. E nunca fui bom para encenação.
Apenas ela.
Seu par de sobrancelhas finas elevaram-se, demonstrando espanto.
— Entre - disse.
Subimos ao seu enorme quarto, no qual estive metade dos dias de minha vida. A gata Kate não estava lá, estávamos literalmente sós.
Como sempre eu ansiava em estar, mas não naquele dia. Ela sentou em sua cama, ao menos não ligou a TV; sabia que meu tom era sério demais.
— Acho que já sei do que se trata - disse, enquanto eu me sentava na cadeira da escrivaninha. Não quis ter a proximidade ao seu corpo, por precaução. Sua voz estava monótona, diferente de ontem. Havia uma dor nela, como se realmente já soubesse o que eu iria revelar.
Silenciei.
— Por que você vai fazer isto comigo, Guilherme? - agora seus olhos estavam baixos, fitando suas pernas cruzadas em X sobre a cama. Ela cutucava indiferentemente as unhas curtas, o rosto corando cada vez mais.
Alguém já havia feito minha tarefa. Mas quem?
— Quem te contou sobre isto?
— Não importa - cuspiu, fungando uma vez para conter uma lágrima. Esfregou o olho com a mão, ainda sem olhar para mim. - Sabe... - sua voz não queria sair, eu sentia isso. O par de olhos mais lindos que já tinha visto virava-se para o lado, para baixo - eu lembro cada detalhe de quando pedi a você que me contasse quando isso acontecesse, mas eu acho que não iria adiantar absolutamente nada - duas lágrimas caíram de seu olho, e, pela primeira vez em minha vida, eu não estava ali para secá-las.
Não tive coragem de encostar um dedo nela.
— Não chore - sussurrei, apoiando a cabeça sobre encosto da cadeira, fechando as mãos em punho.
Ela levantou-se subitamente, e começou a andar de um lado para o outro, nunca olhando para mim.
— Chorar? Como não vou chorar? - murmurava com desgosto, tendo ataque de sua hiperatividade. - Eu vou perder meu melhor amigo, a pessoa com quem eu achava que poderia contar a vida inteira sem exceções, e ela vai embora sem eu poder fazer mais nada a respeito.
— Não vou embora - disse com mais clareza - e você poderá contar comigo para o que quiser. Você vai ver que quase nada vai mudar - menti horrivelmente, nem um animal acreditaria em minhas palavras tão absurdas. E ela sabia muito bem disto.
— Nada vai mudar! - gritou, socando a parede ao lado do banheiro. - Nada vai mudar! Eu sei disto, todos sabem, Guilherme! Você vai apenas se afastar como nunca se afastou de mim antes! E eu não posso fazer nada! - repetiu, e eu pude ver o chão se umedecendo com as lágrimas dela.
Novamente, seus gritos arrancaram minha fala. Eu me encolhera ali, preso à cadeira.
— Desculpe - segredei, sabendo que era inútil falar alguma coisa.
— Tudo bem, está desculpado, afinal a idiota sou eu - as palavras saíram num jato, mas sua voz diminuíra o tom - O que eu posso querer mais? As pessoas vão embora, apaixonam-se por outras pessoas, não é culpa delas - e mais lágrimas, inúmeras gotas caíam no carpete branco.
O silêncio tomou conta de todo o quarto, minhas palavras que não queriam sair e a inconformidade de Bruna. Suas mãos cerradas em punho encostaram-se no alto da parede, sua cabeça também. Uma pequena poça formara-se aos seus pés, e então me dei conta.
Recuperei a coragem e o senso do Guilherme antigo, o verdadeiro amigo que existia, e corri até Bruna. Ignorei o que tinha ido fazer ali, já que ela sabia, e todo meu egoísmo idiota.
Abracei-a por trás, e suas lágrimas voaram diretamente para o chão, sendo cobertas por seu choro que agora mais parecia de uma criança. Suas mãos fecharam-se com mais força do que já estavam, mas apertei firmemente seu corpo contra o meu.
— Não vai mudar nada, eu prometo - murmurei contra seu cabelo macio, afundando meu rosto nele. - Vou fazer tudo para não me afastar de você, é sério.
E então, virou seu corpo para me encarar, pela primeira vez. De seus olhos já não mais se enxergava o prata reluzente e magnífico, apenas milhões de riscos vermelhos. E faziam deles, olhos intensamente inchados.
Sequei as novas lágrimas com o dedo.
— É inevitável, é claro que vai mudar tudo, não precisa me iludir - sussurrou. - Eu sei muito bem disto. Tentei me preparar, mas não consegui.
Ela era madura, havia esquecido disto.
— Vou te perder de qualquer forma - continuou, colocando suas mãos fechadas em meu peito, prensando. Enterrou sua cabeça, agora molhando minha camiseta.
— Já lhe disse, não vai. Estou aqui agora. Ainda te amo - disse, sem corar, secando cada lágrima. A coragem ainda tomava conta de mim.
Pela primeira vez ela silenciou, quase cedendo. Não era muito difícil convencê-la, ainda mais quanto a isso. Apertou o abraço à minha vonta, fungando.
— Não vou me acostumar a isto - sussurrou, a voz musical penetrando na minha consciência, consumindo minha coragem. Seu perfume cítrico mordendo meu nariz, provocando minha personalidade de apaixonado-louco-demente por ela. Não. Eu estava decidido, não iria voltar atrás.
Aquilo era apenas físico: repeti para mim mesmo.
— Vai sim - acariciei seus cabelos, enquanto tentava reconfortá-la apenas como um amigo, não como sempre tentei fazer.
Suas mãos empurraram meu corpo, o rosto desviando-se. Por um momento senti medo, mas depois tranqüilizei. Fora para a pia, enxagüou o rosto vária vezes, respirando fundo.
— Quando você vai pedir? - indagou, mais aliviada.
— Sábado - respondi, hesitante.
Levantou as sobrancelhas.
— Não poderia... esperar?
Ela me pegou de surpresa. O que responderia? "Não posso esperar mais um segundo quanto a você."
Não respondi a pronto, engolindo em seco.
— Não se preocupe - disse, com riso na voz, entendendo o que ela quis dizer - Vou passar amanhã só com você.
E fui para seu corpo frágil, que agora reconfortava-se no meu.



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