Capítulo 4 - Os sinais da primavera


A aula passou rápido, e antes que percebesse, eu estava andando pelo corredor do colégio. Fui ao banheiro arrumar a maquiagem, e ao me olhar no enorme espelho — daqueles que mostram quase todo o corpo — ví minhas roupas sujas de branco. “Droga”, resmunguei, recordando-me do momento em que um garoto desastrado derrubara corretivo em mim.
Retirei-me sem ao menos abrir o pequeno o estojo. De que adiantava se maquiar se do pescoço para baixo estava um horror? E, aliás, eu iria apenas fazer um trabalho com Lise, não havia lógica alguma em me arrumar. Fui até meu refúgio com os braços sobre a barriga, tentando esconder a enorme mancha branca. Lise estava sentada no gélido banco, provavelmente aguardando a minha chegada. Andei até lá e sorri, não me daria o trabalho de sentar, acabaria logo com aquilo.
Lise se levantou rapidamente e retribuiu o sorriso.
— Você demorou. — confessou, enquanto andávamos até sua casa.
— Fui ao banheiro.
Ela me olhou dos pés a cabeça.
— O que é isso? — perguntou.
— O quê?
— Isso. — e então apontou para a mancha que meus braços tentavam esconder.
— Ah, isso.
A garota me olhou novamente, esperando que eu terminasse de falar.
— Um garoto derrubou corretivo em mim. — respondi, enquanto ela parecia pensativa.
— Então, suponho que você queira trocar de blusa.
— Não é uma má idéia, mas minha casa é na direção oposta a essa.
— Tudo bem, eu posso lhe emprestar uma roupa.
Eu não sabia o que dizer. Não queria trocar de roupa em sua casa, mas não conseguia formular um motivo para isso.
E então continuamos andando em silêncio. As ruas continuavam calmas, como em todos os invernos que havia presenciado na vida. O único barulho que se escutava era das crianças brincando na neve. O caminho até a casa de Lise era um pouco mais longo que o caminho até a minha. Ela continuava em silêncio quando paramos na frente de uma casa branca, com uma enorme fachada.
— É aqui. — apontou.
Eu permaneci calada. A garota subiu a escada e eu a segui. Entramos. Sua casa era grande e organizada, da mesma forma que eu havia imaginado assim que a vi pelo lado de fora. O quarto de Lise era também de paredes brancas, onde ficavam estantes cheias de livros. Havia uma mesa de madeira, e sobre ela estava um notebook branco, como quase todas as outras coisas do quarto. Não sabia se era coincidência ou se a ruiva gostava mesmo de combinar as coisas.
Ela abriu o notebook e o ligou. Foi até seu armário e retirou algumas roupas, que logicamente, seriam as que eu iria vestir.
— Podem ser estas? — perguntou, com as roupas na mão.
Eu concordei com a cabeça. A ruiva entregou o conjunto de roupas, virou-se e sentou na cadeira do móvel para digitar no pequeno notebook branco. Fiquei parada por alguns instantes, procurando lembrar se em algum momento ela dissera onde ficava o banheiro. E nessa falha tentativa, deduzi que teria que me trocar ali mesmo. Retirei algumas peças de minha roupa, esperando alguma reação da garota, que nem ao menos se moveu. Então, tirei minha blusa manchada e coloquei a que Lise havia me emprestado. Era exatamente do mesmo tamanho que as minhas, não tive dificuldade em vestí-la.
A garota — que antes estava concentrada em seu notebook — me olhava boquiaberta.
— Posso fazer o trabalho? — perguntei, fingindo não ter percebido sua reação.
Ela se levantou e sorriu, mas não desgrudou seus olhos de mim. Comecei a pesquisar o assunto do trabalho e ler cada texto que me era revelado. Digitei tudo o que havia entendido, e antes de chegar na sexta folha do trabalho, Lise achou melhor que eu fizesse uma pausa.
Sentei em sua cama, ao seu lado. E ela me olhou, curiosa.
— Você gostava mesmo dela? — sua mão estava por cima da minha novamente — Ela não parecia gostar de você.
Sua voz tinha um tom inocente, mas conseguiu me ferir de forma inconveniente. Segurei as lágrimas que se formaram dentro de mim.
— Sinceramente, você merecia alguém melhor que aquela garota. — prosseguiu — Ela se importava mais com a reputação do que com a suposta amizade de vocês.
A verdade continuava me machucando, fazendo o choro escorrer pelas minhas bochechas. Eu a abracei em um ato impulsivo, enquanto sentia meu coração sendo corroído por palavras.
— Desculpe, mas é a verdade. — disse, retirando seus braços de minhas costas e colocando uma de suas mãos em minha nuca.
A outra mão, no entanto, foi até meu queixo e o levantou na altura do seu. Seus lábios selaram os meus de leve, e antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, Lise se afastou. As lágrimas caíram com mais intensidade ao lembrar que havia feito a mesma coisa com Bianca.
— Foi assim, da mesma forma. — disse, chorosa.
— O quê?
— Eu fiz isso com ela. E ela foi embora e... o caminhão apareceu e...
— Pare de se culpar. — e então seus braços me envolveram novamente — Você realmente não merece isso.
— Você não me conhece direito, não pode ter certeza.
— E o que você teria feito de tão errado? Porque, se beijar uma amiga for crime, então me desculpe, mas acho que acabei de cometer um.
Eu a encarei.
— Você é estranha. — mencionei, e a garota riu.
— Você se acostuma.
— É, talvez.
Um sorriso permanecia em seu rosto, enquanto enxugava minhas lágrimas como da última vez. Beijou o canto da minha boca e sorriu maliciosamente, colocando novamente seus lábios nos meus. Pressionou meu corpo contra o seu com um dos braços. Sua língua começou a percorrer por toda a minha boca até encontrar a minha, e então eu retribuí. Sua mão entrou por dentro da blusa que havia me emprestado, nervosamente. Mas era a hora de parar. Afastei meus lábios dos seus e olhei nos seus olhos.
— Não passe dos limites, Lise.
A garota riu novamente.
— Acho que agora eu te conheço melhor. — gracejou — E ainda continuo acreditando que você não merecia aquela garota.




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