Capítulo 5 - Chamado de primavera


A aula já havia começado, e Manuela, como sempre, tagarelava sobre Igor, garoto que Sra. Dellani escolheu para ser sua dupla. Senti uma imensa vontade de levantar e deixá-la falando sozinha, mas eu não seria tão rude com ela. Esforcei-me o máximo possível para conseguir me concentrar apenas no dia anterior, e me perguntei se havia feito certo em impedir Lise de ir longe demais.
O sinal tocou, e antes que eu pudesse me levantar, a garota de cabelos ruivos estava ao meu lado sorrindo, como sempre, maliciosamente. Manu — que ainda estava ao meu lado — encarou a garota, mas logo percebeu que não existia motivo algum para sentir raiva dela, já que Lise era minha parceira de trabalho.
Levantei-me e fui com Lise até o corredor, onde andamos na direção contrária de todos os adolescentes, a caminho do banheiro. Estava vazio. Os alunos preferiam usar os toaletes que ficavam ao lado do refeitório. A garota se olhou no espelho e ajeitou seus fios vermelhos, que estavam um pouco desorganizados. Nossos olhos se encontraram e a garota se virou. Segurou meus braços e me empurrou contra a parede, com seu corpo colado ao meu. Seus lábios se aproximaram do meu ouvido.
— Você ainda vai me agradecer por isso. — sussurrou.
Seus lábios beijaram meu pescoço por um longo tempo e então subiram ao meu queixo. Suas mãos soltaram meus braços. Uma se prendeu em minha coxa, enquanto a outra subia por dentro de minha blusa. Desci minha boca até a sua e nossas línguas se encontraram. Agarrei sua cintura com um dos braços e a puxei para mais perto, fazendo suas pernas se unirem as minhas. Meus dedos se entrelaçaram com seus cabelos ruivos, impedindo que seu rosto pálido se afastasse do meu. Escorreguei pela parede até Lise estar totalmente por cima de mim. Seu pescoço pareceu um tanto chamativo naquele momento, e foi a minha vez de beijá-lo. A garota soltou um gemido fraco, mas que me excitou mais ainda. Mordi o lóbulo da sua orelha de leve, e seu rosto virou, fazendo nossos lábios se encontrarem novamente.
Assustei-me quando Lise saiu de cima de mim repentinamente. A porta do banheiro estava aberta, havia garota loira parada, fitando-me. Era Lara, repreendendo-me com sua expressão que quase sempre fazia meus ombros se encolherem, mas que não me causava mais efeito algum, não quando havia acabado de destruir um momento que talvez não pudesse mais se repetir. Ela sempre achava que, por estar no terceiro ano e eu no segundo, me intimidaria com apenas um olhar severo. Que por ter dezessete anos e eu dezesseis, poderia pisar em mim com suas reações exageradas.
A ruiva se levantou e andou até a porta, parando ao lado de Lara, dando-lhe um sorriso amarelo e se retirando. Deixando-me sozinha com a loira, que me encarou por alguns instantes e também se retirou.

É o lugar errado,
Para trair você.
É a hora errada,
Mas ela está me livrando das dificuldades.
É um crime pequeno,
E não tenho desculpas.

(Damien Rice – Nine Crimes)


A aula de trigonometria foi — como sempre — entediante. Sempre que olhava para Lise, seu olhar estava ora soturno, ora sombrio, mas nunca em minha direção. Não sabia o que se passava em sua mente, mas não parecia se algo agradável. E quando a aula acabou, a garota se quer dirigiu-se até mim. Era como se em poucas horas ela tivesse esquecido o que ocorrera no intervalo.
Caminhei até a minha casa. A neve havia diminuído, o clima não estava mais tão frio, por isso, roupas de frio não eram tão necessárias como antes. Andei por alguns minutos, até me deparar com a ruiva, que estava sentada na fachada da minha casa. Ela se levantou assim que me viu, com um sorriso diferente do normal.
— O que você faz aqui? — perguntei.
A garota levantou uma das sobrancelhas.
— Eu não posso vir até sua casa?
— Pode, só que... você pareceu me evitar desde o intervalo.
— Não estava te evitando. Só estava pensando.
— E eu estava nesses pensamentos? — a garota concordou com a cabeça e eu a fitei — Tem alguma coisa que você queira me falar?
— Na verdade, tenho. Mas não quero falar disso aqui.
Eu abri a porta para a ruiva. Minha casa não era tão grande quanto a sua, mas era o bastante para uma família pequena como a que eu tinha. Meus pais haviam se separado quando eu era mais nova, e passei a morar apenas com minha mãe — que no momento estava sentada no sofá, assistindo ao telejornal. Ela acenou para nós em um gesto de boas-vindas e desviou seus olhos para a televisão novamente. Subimos a escada de espiral e entramos em meu quarto. A garota se sentou em minha cama, enquanto eu procurava no armário a roupa mais casual possível. Troquei-me ali mesmo, tentando adiantar o que Lise tinha para me dizer.
— Então? — perguntei, sentando ao seu lado. A garota colocou sua mão por cima da minha.
— Eu estava me perguntando se o que fizemos é certo, se podemos continuar fazendo isso.
— E o que você concluiu?
— Se eu achasse errado, não estaria aqui.
Fitei-a.
— Não posso deixar de te dizer que também pensei sobre isso, mas acho que não tive a mesma conclusão que você. — pude perceber a expressão morta de seu olhar — Sabe Lise, acho que estamos confundindo as coisas. Talvez eu não esteja disposta a levar essa nossa “amizade” a sério.
— E até quando você pretende se prender?
— Até minha ferida se curar totalmente. — disse, desviando meu olhar do seu.
— Não posso te esperar por todo esse tempo.
— Você não precisa me esperar. Na verdade, você não deve me esperar.
A garota permaneceu em silêncio.
— Você conhece a Lara? — perguntei, quebrando o silêncio.
— Sim, por quê?
— É que você praticamente fugiu assim que a viu.
— Eu não estava fugindo. Só é meio constrangedor ver minha antiga namorada no momento em que estou em um clima diferente com uma amiga.
— Antiga namorada? Você já a namorou? — levantei uma das sobrancelhas.
— Sim, e ela continua correndo atrás de mim. Só que eu não quero nada com ela, entende? Mas ela insiste.
— Para ser sincera, eu entendo perfeitamente.
Ela aparentou encarar o que eu disse como uma indireta, e estava certa. Como eu poderia ter algo com uma garota que eu conhecia a menos de uma semana? Essa era a pergunta que insistia em permanecer sem resposta.
Lise chegou mais perto de mim e sorriu, como se não tivesse escutado o que havia acabado de dizer. Segurou minhas mãos, tentando impedir qualquer tentativa de fuga. Seu rosto se aproximou do meu, fazendo seus lábios selarem os meus. E quando soltou um dos meus braços, minha mão bateu em seu rosto instantaneamente. A garota ficou corada, eu podia ver a marca de minha mão em seu rosto. Ela se levantou e saiu, me deixando sozinha novamente, tentando entender o que tinha acabado de fazer.
Minha mente se encheu de pensamentos contraditórios, uns afirmando que a minha ação foi certa. Mas a maioria me dizia que eu não deveria ter sido tão ríspida com aquela garota, que desde o começo estava tentando me curar.
Peguei minha bolsa e tirei meus livros. Estudei para esquecer o sofrimento que me cercava, e também porque era a única coisa que podia fazer naquele momento. Talvez devesse falar com Lise no outro dia, mas não tinha tanta certeza.




0 comentários:

Postar um comentário