Capítulo 6 - O começo da primavera


Fui ao colégio com a mesma insignificância de sempre. A neve havia acabado fazia dois dias e desde a tarde de alguns dias atrás, Lise evitou qualquer tipo de comunicação comigo. Não que eu quisesse, na verdade, era isso o que eu vinha insistindo para ela fazer desde o começo. Mas, saber que a minha falta de cautela resultasse nisso era um tanto quanto perturbador. Eu pediria desculpas, apenas isso.
Segui ao meu refúgio. O pátio do colégio estava vazio, ainda faltavam trinta minutos para o início da aula, e eu, como sempre, havia chegado mais cedo somente para aproveitar a nova estação em meu cantinho acolhedor, sentindo o cheiro das novas flores que nasciam nos canteiros. Era algo que eu gostava, mas que jamais me confortaria tanto como as folhas do outono. Então meu corpo paralisou. Senti um aperto tão forte, que pensei que me faltaria ar para respirar. Diante dos meus olhos eu pude ver Lise, e ao seu lado estava Lara. As duas estavam ligadas a um beijo, que da forma mais importuna possível, fragmentou meu coração.
Eu corri, procurei algum lugar para me esconder, para me isolar de tudo e todos. Sentei na grama, perto de uma árvore, em um lugar onde poucos passavam. Se eu estivesse realmente gostando daquela garota? Eu provavelmente teria perdido a minha chance, e estava ali, fechando meus olhos em uma ridícula tentativa de me proteger de meus pensamentos absurdos. Pensar em Bianca não era mais tão doloroso, as feridas estavam se curando, mas outras começavam a nascer. Foquei-me em lembranças que aumentavam e ao mesmo tempo diminuíam a minha nostalgia. Era a única coisa que podia fazer.
Dessa vez, não teria alguém para me abraçar, fazer-me esquecer dos problemas que me cercavam. Coloquei o rosto entre as pernas e engoli o choro, mas ainda me sentia desprotegida. Conseguia ser inútil o bastante para precisar da proteção de outra pessoa. Comecei a sentir ódio de mim mesma. Tinha que ter uma saída, uma forma de acabar com todo esse sofrimento, mas não queria estragar tudo. Pela primeira vez na vida, senti uma desmedida vontade de se prender a ela, da mesma forma que eu precisava me prender a Bianca. Era simples, mas talvez não fosse o momento certo para sentir aquilo. Lise não me perdoaria depois do que eu fiz, e se perdoasse, de nada adiantaria, pois Lara já havia roubado meu lugar.
Vários adolescentes começaram a passar. Foi quando me dei conta de que faltavam apenas cinco minutos para iniciar a aula. Subi os degraus e entrei no colégio, minha sala ficava no primeiro conjunto e foi possível chegar lá antes do Sr. André entrar. Sentei-me em uma carteira no fim da classe e apoiei a cabeça. Sociologia não era uma de minhas aulas preferidas, e eu realmente não conseguiria me concentrar. O professor entrou com dezenas de pequenas apostilas para distribuir. De mês em mês recebíamos novas atividades, e sinceramente, para que eu iria querer estudar os fenômenos sociais? Retirei-me da sala para ir ao banheiro. Não virei para trás para conferir se a ruiva estava me encarando ou não, apenas segui pelo corredor até o toalete.
Sentei no chão, perguntando-me se era possível me sentir bem na situação em que estava. Coloquei as duas mãos na testa e deixei que as lágrimas rolassem pelo meu rosto. Sentia dor, decepção e uma estranha vontade de sumir. As coisas que eu mais queria eram as mais distantes de mim, e novamente, não podia fazer nada para mudar aquilo. Por que eu tinha que gostar sempre da pessoa errada? Por que quando tudo começava a dar certo, eu tinha que tirar conclusões ridículas e destruir tudo? Eu sabia que não existiam respostas exatas para aquelas perguntas, por isso, acusar o destino era o melhor a fazer. Lavei meu rosto, retoquei a maquiagem e puxei a porta para sair, mas antes que eu pudesse me movimentar para fora, um casal de garotas de mãos dadas apareceu em minha frente. Encarei a ruiva por alguns instantes e abri espaço para as duas passarem, retirando-me logo em seguida, voltando para a aula antes que alguém sentisse a minha falta.


Procurei me manter firme durante o resto da manhã, sem olhar para quem entrava e saía da sala, e a hora de sair foi a menos tranquila. Lise e Lara estavam novamente em meu cantinho sagrado, e eu esperaria até elas se retirarem para poder ir lá. Eduardo e seus amigos ficaram me perturbando. Um garoto estava junto deles, calado, só observando o que os outros faziam. Chamava-se Thiago. Seu cabelo era castanho, da cor do meu. Sua pele era tão branca, que era quase possível ver o sangue que corria em suas veias. Ele se encolhia no meio dos outros garotos, talvez estivesse tentando parecer invisível. Seus olhos castanhos escuros sempre fitavam as duas garotas. Não imaginava o que um rapaz como ele fazia no meio daquela panelinha de idiotas. Os garotos foram embora, menos Thiago, que continuava em pé ao meu lado. Ele não iria falar nada se eu não tivesse cortado o silêncio com uma pergunta idiota.
— Uma em ponto. — respondeu, sua voz era rouca.
Sorri, tentando agradecer a sua gentileza. O garoto retribuiu o sorriso.
— Aquilo te incomoda? — direcionou seu olhar ao casal de garotas que se abraçavam.
— Infelizmente. — lamentei.
— Também.
Olhei-o, perguntando-me o que lhe incomodava naquela cena.
— Lara é minha amiga de infância. — disse, como se acabasse de adivinhar o que eu estava pensando.
— E você a ama. — completei.
— É, e ela sabe, mas eu não faço o tipo dela.
— Você deveria esquecê-la.
— Eu já tentei, só que realmente não é fácil esquecer uma pessoa depois de anos se dedicando a ela, mesmo que ela te despreze várias vezes.
—Entendo, mas... — fitei o chão — Não te machuca? Não te causa raiva?
— Machuca, e muito. A raiva eu tento evitar, porque se ela não quer, não posso forçá-la a ter algo comigo. Não tenho motivos para sentir raiva.
Achei estranho aquilo tudo vir de um garoto, mas eu sabia desde o momento em que o vi que ele não era igual aos outros.
— Ela não tem o direito de te ferir desse jeito. — afirmei.
— Lise também não tem, e você está aqui, igual a mim.
— Não estou aqui por causa dela.
— Está por qual motivo, então?
— Não posso dizer.
— Segredinho é coisa de garotinha, Sophie. — ironizou.
— Talvez eu ainda seja uma, Thiago.
O garoto riu novamente e seus olhos se voltaram ao casal. Olhei para a mesma direção e vi a garota de fios vermelhos nos encarando.
— Ajude-me — sussurrei.
— Como? — perguntou, também aos sussurros.
— Assim.
Beijei-o. Pude sentir o olhar pesado da ruiva nos fitando. Não era certo fazer aquilo, mas era a minha única opção. Ele pareceu entender a que ponto eu queria chegar, e como se também fosse o favorecer, retribuiu o beijo e seus braços me prenderam contra seu corpo desajeitado. Coloquei minhas mãos em volta do seu pescoço e empurrei seu rosto para mais perto do meu, querendo no mínimo fazer Lise pensar que eu estava gostando. Afastei nossos lábios o abracei. Nenhuma das garotas estava mais lá. Provavelmente, a tentativa de causar ciúmes havia dado certo.
— Talvez elas sejam mais fracas que nós. — brinquei.
— Deveríamos continuar assim. — disse, rindo.
Fitei-o.
— Assim como?
— Causando ciúmes.
— Não acho certo.
— E o que elas fazem é o quê? Ferir os sentimentos dos outros é algo certo? Você mesma falou que Lara não tinha o direito de fazer isso. — ele me olhou e sorriu — Você não vai querer perder a Lise também, ou vai?



Can't you see the pain in my eyes?
Can't you feel the scars in my heart?
Can't you hear me screaming on the ground?
(by ~ raining art)




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