Capítulo 7 - Amarga primaveira


Eu não estava mais sozinha. Não me sentia mais a garota incompreendida nos últimos vinte dias. Não amava Thiago, mas de alguma forma, ele me transmitia segurança, conforto. Nunca havia me sentido assim com um garoto, e achei que fossem todos iguais, mas não, Thiago parecia entender meus sentimentos como alguém jamais conseguira entender. E por mais que fosse difícil acreditar, nós estávamos juntos naquela disputa amorosa, e precisávamos ganhar de alguma forma, não importava qual.


Seus braços calorosos me prendiam ao seu corpo enquanto andávamos até o colégio, ceninha típica de casal apaixonado. Era o que queríamos: fazer com que pensassem que era um sentimento verdadeiro, mesmo não sendo, e causar ciúmes para Lise e Lara. Chegamos primeiro que elas, o banco seria nosso naquela manhã. Sentei em seu colo, coloquei meu queixo sobre seu ombro e o abracei. O garoto riu.
— Chegaram. — disse risonho, e eu também ri.
Levantei meu rosto e o lhe dei um beijo, daqueles que duram apenas quarenta ou cinquenta segundos. Virei-me e espreitei a ruiva, que estava presa nos braços da loira. As duas sorriram uma para a outra e deram um selinho.
— Quer sair daqui? — perguntou.
— Não, não podemos deixar aquilo nos abalar, certo?
— Você é quem manda, Mansour.
— Não me chame pelo sobrenome, por favor. — reclamei, e o garoto deu uma risada abafada. — Pare de provocar, Thiago. — soltei um riso fraco e toquei seus lábios com os meus.
O sinal tocou e eu me levantei rapidamente. Uma garota diferente nos encarou, senti um pouco de medo, sua aparência era estranha. Era um pouco acima do peso e a sombra negra que arroxeava seus olhos destacava sua pele pálida, seus cabelos pintados de azul escuro pareciam mal cuidados. Usava lentes azuis e possuía piercings por todo o rosto, inclusive na sobrancelha. Não me lembrava daquela garota estudar no colégio, e quando passamos por seu corpo irregular para a sua altura, entregou-nos um panfleto preto de letras brancas. Li o que dizia enquanto andava até a sala, parecia ser uma festa privada, que aconteceria durante todo o primeiro final de semana do verão. Era fora da cidade, em uma antiga hospedagem perto de um lago, a trinta quilômetros de onde estávamos.
Thiago me deixou em minha sala, ele estudava junto com Lara, por isso eram apenas quatro salas de distância da minha. Passei a aula de história contemporânea me perguntando se a ruiva também havia recebido o convite e se ela iria para lá. Levantei-me e fui até a mesa de Laís, parando em sua frente apenas para poder espreitar a garota de fios vermelhos, que para minha surpresa, estava segurando o papel preto com uma mão e apertando teclas do celular com outra. Era óbvio que ela iria, e por isso eu arrastaria meu novo parceiro para ir comigo.
A aula de literatura foi a menos entediante. Sra. Delanni entregou os trabalhos, e para variar, minha nota havia sido dez. Estava tão acostumada com isso, que o coloquei dentro da bolsa sem um pingo de cuidado, sendo amassado por cinco livros grossos. No final da manhã, encontrei-me com Thiago na frente da sua sala. Andamos até seu Vectra prata, que dissera ter ganhado de aniversário no mês passado. Eu passaria a tarde toda com ele dando uma volta na cidade, seria uma boa oportunidade para citar a festa que a garota estranha havia divulgado. Ele sentou no volante e eu no carona. Começamos a conversar enquanto o carro se movia pelas ruas, até que eu finalmente toquei no assunto, e ele aceitou a idéia de ir.
— Mesmo se elas não forem, precisamos de um pouco de diversão. — sugeriu.
Concordei com a cabeça. Thiago colocou a mão em meu ombro e riu.
— Você já foi a uma festa dessas? — perguntou.
— O que você acha? — disse de má vontade.
Ele riu novamente.
— Eduardo e Mark me arrastavam para várias dessas. Acho bom você levar bastante roupa, você realmente vai precisar.
Olhei-o me sentindo insultada. Eu sabia o que precisava levar, não era burra, só não entendia a causa de tanta risada. Paramos no estacionamento de um fast-food perto de minha casa e lanchamos, depois olhamos alguns livros na livraria ao lado. Thiago me deixou na entrada de minha casa, retirando-se apenas quando fechei a porta principal. Minha mãe me chamou para ajudá-la a fazer o jantar, pois havia convidado seu novo companheiro para se juntar a nós na última refeição do dia e seus dotes culinários não era um dos melhores de nossa família. Ela ficava envergonhada quando falava deles para mim, por esse motivo, nenhuma palavra se quer saiu de sua boca até eu terminar de cozinhar. Coloquei a comida na mesa e sentei no miúdo sofá cinza.
— Irei a uma festa no primeiro final de semana do verão. — eu disse, finalmente cortando o silêncio.
— Onde? — perguntou com um olhar desconfiado. — Com quem?
— Em uma antiga hospedagem a trinta quilômetros daqui, não é tão longe e eu vou com alguns amigos.
— Que amigos? — insistiu, e eu revirei os olhos — Não se meta com esse tipo de gente, Sophie. Sabe o que acontece em festas assim?
— Não me trate como uma garotinha, mãe, eu ando com quem eu quiser e vou aonde quiser.
— Você não vai, mocinha.
— Tente me impedir. — falei baixinho e me levantei do sofá.
Subi a escada de espiral e entrei em meu quarto, fechando a porta violentamente e me atirando contra a cama.


Os raios do sol iluminaram a janela do meu quarto, fazendo-me acordar. Levantei-me com rapidez e fui ao banheiro. Olhei-me no espelho por alguns instantes, até sentir uma forte pontada no estômago. Enchi as mãos de água e molhei meu rosto. Comecei a sentir enjôo, então voltei ao quarto e tirei meu celular da bolsa. Disquei o número de Thiago e esperei ele atender.
— Oi Sophie. — disse ao aceitar a ligação.
— Ah, oi.
— Por que ligou?
— Queria saber se você pode vir me buscar hoje.
— Claro que posso, vou passar ai daqui alguns minutos.
— Obrigada.
— De nada, mas agora eu preciso me arrumar. Até daqui a pouco.
Ele desligou antes que eu pudesse dizer “tchau”. Tirei minhas roupas e tomei banho, penteei o cabelo debaixo do chuveiro para não ter trabalho algum depois. Terminei, fui ao quarto, vesti uma calça jeans escura tradicional e uma blusa branca com alguns desenhos. Calcei uma rasteira preta e voltei ao banheiro novamente, prendi minha franja com uma presilha normal, escovei os dentes e finalmente estava pronta para mais um dia no colégio, mas não estava me sentindo muito bem.
Ouvi a buzina do Vectra prata soar na rua. Conferi se era ele pela janela e desci. Não tomei café da manhã, pois não estava com disposição para isso. Saí de casa nas pressas, abri a porta do carro, sentei ao seu lado e dei um sorriso amarelo.
— Obrigada novamente. — agradeci — Você tem feito muito por mim nesses últimos dias.
— Não precisa agradecer Sophie, até porque você sabe que eu não estou fazendo isso só por você.
— Eu sei. — disse, colocando o braço sobre a barriga assim que a dor voltou.
O garoto me olhou e eu soltei um gemido fraco.
— Você está bem?
Senti um grande aperto, um embrulho no estômago. Coloquei a mão na boca e fechei os olhos com força. Thiago parou o carro e olhou para mim.
— Vou te levar ao hospital.
— Não, por favor, eu... — dei uma pausa dramática — Estou bem. Foi só uma pequena dor, mas já passou.
Sorri, e o garoto pareceu acreditar. Pôs a mão no volante novamente e tornou a dirigir até o colégio. O caminho foi tranquilo, Thiago me ajudou a descer assim que chegamos. O banquinho estava sendo ocupado por um grupo de adolescentes, fazendo com que eu e o garoto moreno ficássemos em pé até o sinal tocar. Entrei em minha sala e conversei com Manuela, apenas para me distrair da pequena dor que estava sentindo. A ruiva entrou na classe com um grande — e pouco aprazível — sorriso, e assim que percebeu que meu olhar estava em sua direção, sua expressão ficou fria. Eu sabia o motivo que a fazia feliz, por isso coloquei a cabeça em cima da mesa e adormeci. Era uma guerra e eu não sabia se estava no começo ou no fim, mas se estivesse acabando, Thiago e eu estávamos longe de vencer.



E tocarei para você se você quiser.
Estou apenas desperdiçando meu tempo?
É, eu tocarei para você se você quiser.
Estou apenas enlouquecendo?

Estou apenas enlouquecendo?
Estou apenas enlouquecendo?
Eu sou apenas um perdedor?

(Damien Rice - Bottom Shelf)





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