Capítulo 8 - O inverno da primavera


— Calma Sophie, acontece com qualquer um. — repetia a garota de cabelos ruivos e lisos cortados no ombro — Aliás, não é tão ruim assim. Sua mãe já é adulta e pode fazer o que quiser.
— Mas é constrangedor, é estranho. É uma sensação esquisita, não sei como explicar. — coloquei a mão na testa — Sinto que perdi para a minha própria mãe.
Bianca gargalhou.
— Não acredito nisso.
— No quê?
— Que esteja com inveja da sua mãe. — disse, enquanto ria.
— E eu não acredito que ela tem alguém e eu não. — bufei.
Um vento fraco entrou pela janela do seu quarto, fazendo meus fios castanhos se embaralharem. Nosso diálogo se transformou em silêncio rapidamente, senti um pequeno conforto. Ela sempre fazia eu me sentir daquela forma, mesmo que estivesse calada. Era algo que sentia com frequência desde quando a conheci no começo daquele outono. Sabia que nunca seria correspondida, mas não podia evitar. Nunca fui boa no amor, por mais que tentasse com todas as forças.
Sua mão branca se pôs sobre a minha e a garota sorriu. Um sorriso perfeitamente notável, sedutor, que me matava cada dia mais, mas que continuava me encantando toda vez que se revelava. Não consegui retribuí-lo. Continuei observando seus lábios rosados, até eles se abrirem para falar.
— Você tem a mim. — seu sorriso voltou à face.
— Não da forma que eu queria ter.
A garota fitou o chão. Ela não podia fazer nada. Eu era a errada, não deveria estar culpando Bianca, fazendo-a se sentir daquela forma. Curvei os lábios de forma afável, tentando lhe agradar com uma ridícula tentativa de sorrir de forma meiga.
— Mas é o bastante. — completei.
— Eu sei que é. — então seu sorriso voltou à face mais uma vez.


Acordei com um pouco de dor de cabeça no último sábado da primavera. Faltava apenas uma semana para a tão esperada festa. Desci a escada de espiral com uma das mãos na testa e de olhos semi-abertos. Lembranças me feriam daquela forma, machucavam-me com a incômoda saudade que me faziam sentir. Odiava sonhar com coisas que já haviam acontecido, detestava lembrar que o amor que sentia por Bianca era, definitivamente, o que mais me matava.
Entrei na cozinha e procurei algo saudável para comer, mas as compras ainda não tinham sido feitas, por isso eu teria que tomar café-da-manhã em algum lugar que fosse perto de minha casa. Voltei ao meu quarto, coloquei meu notebook dentro da mochila e troquei de roupa. Desci novamente as escadas com a mochila colorida nas costas e me retirei de casa, andando desanimadamente até a primeira cafeteria que encontrei. Sentei-me e coloquei o notebook sobre a mesa, liguei-o e abri o programa de textos, preparando-me para escrever mais vinte páginas de um trabalho individual de história moderna sobre a evolução do capitalismo. Era fácil, nunca tive dificuldade em nenhuma matéria. Em alguns momentos me perguntava se era isso que eu tanto queria ser, se eu aguentaria ter essa vida entediante para sempre, mas como todas as minhas outras perguntas, essas permaneceram sem resposta.
Pedi para a garçonete um sanduíche natural e um copo de suco. Quando pequena, fui acostumada a comer o mínimo de besteiras possível, apenas para ajudar a manter as contas em dia. A mulher de avental trouxe minha refeição antes que eu pudesse terminar de digitar a primeira página do trabalho e eu dei uma pequena pausa. Assim que terminei de comer, voltei para a minha tarefa, pesquisando o que não sabia nos sites mais adequados. Esse era o meu final de semana: dormir e estudar. Não fazia nada a mais, porém essa pequena rotina mudaria por pelo menos dois dias. Provavelmente, os dois dias mais agitados e inconsequentes que eu teria em toda a minha vida.
Fechei o notebook quando terminei de escrever a décima página. Eu deixaria incompleto, terminaria no outro dia. Levantei-me assim que paguei a conta e coloquei a mochila novamente nas costas, saindo sem pressa alguma da cafeteria. Não estava afim de voltar para casa. Ainda estava cedo e eu queria relaxar. Caminhei pelas ruas sem saber aonde iria. Andei por alguns minutos até avistar um parque que costumava ir com Bianca. Era um lugar com um pequeno movimento na entrada, mas no outro lado era tão calmo quanto o meu refúgio. Milhares de pessoas passeavam com seus parentes e animais, apenas eu estava sozinha. Não tinha ninguém para andar comigo, Thiago passaria o final de semana com sua avó no hospital e não queria chamar Manuela ou Laís. Sentia-me abandonada, não sabia se poderia voltar a sorrir como antes. Minha vida não era a mesma, eu estava morrendo aos poucos, destruindo meu coração em milhares de pedaços por causa de uma garota que havia falecido a mais de três meses. Infantilidade, era isso que eu tinha. Como uma criança, eu apenas chorava, ao invés de fazer algo para mudar minha situação.
Eu finalmente cheguei no lado calmo. Sentei-me na grama florida e encostei-me a uma árvore. Abracei meu próprio corpo e abaixei a cabeça, fazendo esforço para não pensar em nada. Esqueceria dos problemas e feridas e me permitiria, por algumas horas, a ter uma paz interior. Seria a primeira vez desde o acontecido, que eu, naquele sábado de primavera, faria algo para mudar por alguns instantes a minha vida.
Apaguei.


A neve era soprada violentamente pelo vento, por isso a noite estava mais fria que o normal para um inverno. Bianca me encarava, esperando uma resposta, mesmo já sabendo qual seria. Eu estava sentada na sua frente, nós duas em cima da cama do meu quarto. Costumávamos ficar conversando em minha casa quando acontecia aquilo com o clima.
— Conte-me Mansour. — seus olhos castanhos me olhavam com curiosidade.
— Não posso. — insisti e suas mãos apertaram as minhas.
— Claro que pode, por favor, Mansour. Sou sua amiga, ou até mais do que isso.
Fiquei calada. Ela sabia de tudo, sabia o que eu sentia, o quanto me feria, mas nunca fazia nada.
— Você não quer ser mais do que minha amiga.
— Eu quero Sophie, eu quero. Mas não consigo, não sei como fazer isso. Nunca havia gostado de uma garota antes, acho que não devo mudar isso, e...
— Você acha que está se enganando e tem medo de me ferir. — completei.
— É, é isso.
Sorri sarcasticamente.
— Sinceramente, você tem medo de me machucar? — continuei rindo — E você tem noção do quanto me fere tentando não me machucar?
— Olha, eu...
— Deixe-me falar. — disse em um tom mais alto, e a garota se calou — Não minta para mim, não fale que gosta de mim só para fazer com que eu me sinta bem.
A ruiva continuou calada. Eu estava certa. Um pequeno conjunto de lágrimas começou a se formar dentro de mim.
— É isso, não é? — fechei os olhos para não chorar — Você não me ama, só faz isso porque se importa comigo.
Seus braços me envolveram e eu continuei segurando o choro.
— Mas eu te amo de verdade. — falei.
Silêncio. Os cinco minutos após o que eu havia dito foram de um doloroso silêncio. Levantei meu rosto e observei seus olhos sem vida. Seus cabelos estavam um pouco embaraçados e seu rosto, como sempre, estava pálido como a neve. Ela tirou seus braços de mim.
— Talvez você esteja enganada. Talvez eu não me importe de verdade com você. — sua voz estava rouca, machucando-me mais ainda, mas depois de alguns instantes eu pude perceber que ela não falara seriamente.
Sorri. Levantei seu queixo com uma das mãos e coloquei meus lábios no seu. Ela demorou a ceder, mas assim que nossas línguas se encontraram, senti uma enorme felicidade momentânea, que foi destruída no instante em que a garota separou seu rosto do meu. Levantou-se assustada, com sua face sendo umedecida por lágrimas que começavam a cair de seus olhos. Ela abriu a porta do quarto e olhou mais uma vez para mim antes de sair. Pude ouvir o barulho de seus pés descendo a escada e me levantei. Apressei-me. Eu precisava pedir desculpas, havia feito aquilo sem pensar. Tinha cometido um erro e deveria corrigi-lo.
A porta se fechou antes que eu chegasse aos degraus. Desci de dois em dois para economizar tempo. Tropecei até a porta e corri assim que a abri. Tentei gritar seu nome, mas o frio parecia ter congelado minha voz. Avistei a garota, meu corpo parou instantaneamente.
Ouvi um barulho. O barulho mais silencioso de toda a minha vida. Eu tinha chegado tarde demais.



Eu queria que você soubesse que eu adoro o jeito que você sorri.
Eu quero te abraçar bem forte e levar sua dor pra bem longe.
Eu guardo sua foto, e eu sei que ela me ajuda bastante.
Quero te abraçar bem forte e roubar sua dor.

Porque eu fico em pedaços quando estou solitário,
E eu não me sinto bem quando você vai embora.

Você se foi pra longe, e não me sente mais aqui.
(Evanescence – Broken)




2 comentários:

laís hiromi disse...

minha companheira de blog me causa em vega T-T

giovana barros disse...

minhas companheiras de blog me causam em vega. ):

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