Capítulo 5 - Promessa


— Guilherme – chamou Bruna. — O que aconteceu com Mike?
— Ele desmaiou no meu quarto e está fazendo exames – murmurei, com a voz falhada.
— Ele vai ficar bem? – a preocupação na voz de Bruna era anormal para uma amiga, mas ela não era apenas uma amiga. Bruna adorava Mike.
— Vou poder vê-lo só de noite, acho.
— Eu sinto muito – o pesar de sua voz era claro, mas sei que não era sua intenção dizer isso. Era um simples desmaio, eu sabia disto.
— Foi um simples desmaio, o estado dele está normal.
— Mas eu sei que você ficou desesperado, acalme-se.
— Onde vocês estão? – perguntei, cortando o assunto e me referindo aos demais com quem tomei chá.
Lílite está vindo comigo para minha casa, vamos estudar para a prova de sexta e Pedro foi no trabalho da mãe dele. Quer vir aqui?
— Quero. Vou pedir pra minha mãe me levar, acho que vai cair uma tempestade de neve.
— Te vejo daqui a pouco, então.
Tchau.
Apertei o botão do lado direito, fechando o celular. Expliquei para minha mãe me deixar em casa para eu pegar alguns livros e me levar até a casa de Bruna para estudar lá. Ela assentiu.
Era incrível como a voz de Bruna, até mesmo por um celular, era como um reconforto para mim. Acalmei minha agonia de lágrimas exageradas, e repensei: Mike apenas não desmaiou, não morreu. Eu estava sendo feminista demais, sensível.
Mas Mike era sempre Mike, com as experiências que passamos, além das dificuldades e horrores.
Um flashback correu em minha mente, fazendo minhas memórias se refrescarem e dizerem que minhas lágrimas não eram tão fúteis. Era Mike deitado na grama uniformemente aparada do jardim da frente de casa, curtindo o sol quente das dez da manhã e os sprinkles umedecendo seu pêlo. Eram as férias de verão do ano passado, quando sua rotina era me acordar sete horas da manhã para levá-lo para caminhar perto do lago. Ele sentia tanta sede pelas oito horas da manhã que eu podia jurar que ele bebia metade do lago, depois de correr loucamente. Depois, ele descansava sob os esguichos dos sprinkles, para depois comer um prato grande de ração. Ele devorava em questão de minutos, depois ia pedir carinho para mim, que ficava na piscina ou com cochilando na rede de minha varanda. Foram as férias perfeitas, quando viajei para um hotel, onde tinha um parque aquático monstruoso. Posso descrever com montanhas-russas aquáticas, do tipo, que causam medo indescritível. Minha rotina lá era acordar cedo de uma cama macia e perfumada, tomar café-da-manhã com os mais variados pães e doces, fazer digestão olhando a programação do dia, depois ter o dia inteiro para tomar sol refletido do cloro da piscina. O parque, com 87 brinquedos, era divido em três – fiquei na melhor delas. Obviamente, não ia valer a pena se fosse sem meus amigos, incluindo Bruna. Lembro de seu corpo mirrado, quando suas pernas eram finas, mas ainda sim era linda. Ela mudou radicalmente ao completar doze anos. Pedro já era alto e forte, como sempre foi, assim como eu. Lílite e seus cabelos alaranjados naturalmente eram cômicos. Mike, naquela época, ficou a semana com minha mãe. Lembro exatamente de como reagiu ao me rever. Tive que dormir no colchão com ele, para matar as saudades do grande babão.
Lembrei também dos momentos de quando ele não passava da largura de uma caixa de sapatos. Era um mini-labrador peralta, que queria cheirar tudo que passasse por ele de novo, que ainda não foi avaliado.
Mike, era para sempre meu eterno amigo leal, só me abandonaria após sua morte, eu podia confiar nisto. Era a única coisa em que eu podia confiar em minha vida.
Seu desmaio foi o primeiro susto, logo eu não estava acostumado.

O quarto de Bruna, para mim, era como um refúgio. Lá me sentia seguro do que quer que acontecesse. O sofá marrom madeira e de largas almofadas era o segundo lugar onde eu queria estar quando me sentia cansado e deprimido. O primeiro era o colo de Bruna.
O sofá confortável estava ocupado pela gata Kate, com seu pêlo branco como a neve de fora. Bruna e Lílite estavam deitadas, com as pernas dobradas para o alto, sobre o grosso tapete da cor do sofá. Liam livros grossos, fazendo anotações em uma folha destacada do bloco de seus fichários.
— Olá – eu saudei, ocultando um pequeno pigarro.
Oi! – pulou Bruna, saindo de sua posição. Ela pôs-se em pé elegantemente, exibindo suas pernas cobertas por uma calça larga de moletom escuro. Veio em minha direção aos saltos, mas sua expressão era impossível de se adivinhar. Largou-se em um abraço sufocante por cima de meus ombros, deixando-a nas pontas dos pés. Senti o aroma natural de sua pele, relembrando o que eu queria esquecer: ó Deus, livre-me de meu amor incondicional por pelo menos um dia. Mas, meus pedidos não foram atendidos. Coloquei minhas mãos em sua cintura.
— Eu sinto muito – sussurrou ela, com a voz abafada por estar com o rosto em meu peito.
— Não há pelo o que sentir – declarei, animando um pouco a voz. – Ele ficará bem.
— Desculpe – Bruna percebeu que estava forçando a situação, largando meu corpo.
— Obrigada por me esquecerem por um momento – reclamou Lílite, fazendo uma voz de tristeza irônica.
— Vamos trabalhar, então. Começaram a estudar pelo o quê?
— Gramática.
— Credo, a mais fácil? – perguntei, surpreso. Eu sabia a matéria de cor desde o começo do ano passado. Era fácil, mas também fiquei em vantagem, por pesquisar monotamente em livros e na Internet. Deitei junto a elas, enquanto ensinava durante quinze minutos todo o capítulo. Elas aprenderam fácil e estudamos por quarenta e cinco minutos.
Depois, fomos para literatura rever Voltaire e história da arte. Acabei em poucos minutos, cansado de estudar. Não era meu objetivo estudar junto com Bruna, mas sim esquecer de minha tristeza com Mike e me distrair um pouco. Deitei no sofá, vagando pelos canais da televisão, impaciente. Como podiam perder tanto tempo com conhecimento escolar?
Tentei decifrar os sussurros que elas sibilavam, de vez em quando fazendo Bruna rolar de rir, literalmente, pelo grosso tapete. Questionei todas as vezes que aconteceu, mas elas me ignoravam, e isso me deixou irritado.
Encostei a cabeça no braço do sofá, adormecendo.
Sonhei que abraçava uma silhueta desconhecida. Não era humana, disto eu tinha certeza. E eu parecia satisfeito em abraçá-la, porque não me soltava dela. Apesar das lágrimas que caíam de meus olhos, aos montes.
Não havia cenário. Apenas um fundo totalmente negro, com uma luz voltada para mim.
— Acorda – sibilou Bruna, dando um beijo ruidoso em minha orelha esquerda.
Murmurei alguns palavrões, e ela riu. A luz forte do lustre moderno de vidro me cegava, fazendo-me cobrir meus olhos com uma almofada.
Cadê Lílite?
— Foi embora – disse Bruna, mais parecendo uma pergunta. Ou uma indireta.
— Que horas são?
— Seis e meia.
Eu havia dormido muito. Estava perdido no tempo, e quis ligar para o veterinário para saber sobre Mike. Mas eu estava menos despreocupado, a companhia de Bruna me deixava entorpecido. Foi quando, minha barriga roncou.
— Deixa eu adivinhar: você não almoçou. – supôs Bruna.
— Não tive tempo.
— Por que não me avisou? Minha mãe fez lasanha.
Lasanha, pensei. As deliciosas lasanhas cobertas por creme de dona Juliana, ou Juliana apenas, para íntimos. A formosa e talentosa atriz teatral mundialmente conhecida, com dons culinários anormais, e hereditários. Quantas vezes já não visitei a avó de Bruna, e por conta própria. Era como se fosse a avó que não tive. Suas maravilhosas receitas que preenchiam meu horário de almoço, e generosamente, dona Lucy sempre mandava um lanche caprichosamente preparado para minha mãe e eu. Bruna, também, não escapava dos dotes na cozinha. Mesmo com poucos anos, consegue fazer doces que não tenho capacidade nem de descrevê-los. O sabor, o cheiro.
Aceitei um pedaço na hora em que ela me ofereceu, envolvido pela fome e seu cheiro de bolonhesa quente. Estava bom, mas me satisfiz com apenas uma fatia. Assisti Bruna embaralhar copos idênticos e extremamente brilhantes. Uma mania que ela herdara do pai dela. De mexer compulsivamente com copos. Ela se divertia, e a mim também.
Após comer, subimos para o quarto, novamente. Não haviam tarefas escolares, já tínhamos estudado, estávamos sem nada para fazer. Sentamos em sua cama, debaixo de cobertores quentes. Assistimos um filme antigo, vimos vários programas.
Bruna estava quente, aquecida em sua blusa de lã vermelha. Fitava a TV inexpressivamente, enquanto se aconchegava em meu braço. O clima perfeito, eu estava quase adormecendo de novo. Mas Bruna tem um péssimo defeito: não sabe ficar de boca fechada.
— E a Mariana, Gui? Tem falado com ela?
Hesitei. Ela não perguntou sobre Mariana desde o dia que ficou sabendo de sua atração por mim, então tive que contar detalhes.
— Mais do que antes, acho. Pelo computador, celular... – me gabei. Se ela queria provocar, então que agüentasse.
Hmmm – murmurou ela, demonstrando desinteresse.
— Só ainda não temos tanta intimidade... e ela continua feia para mim – brinquei, mexendo seu cabelo com um dedo.
Seu rosto corou por um momento, mas ela logo se recuperou e me intrigou.
— Quando ficarem íntimos, convença ela a cortar aquele cabelo e usar lentes, ou pelos menos hastes mais bonitas.
Eu ri, mas ela não.
Aquele desprezo todo me dava calafrios, e raiva. Tirei meu braço de seu corpo, disfarçando ao pegar meu celular e mexer em alguns botões. Ela não se incomodou, e voltou a olhar TV sem expressão. Deixei o celular de lado e fiquei em posição normal, sem abraçá-la. Refleti, no vazio, o porquê dela gostar de me machucar.
Peguei o celular novamente, disquei o número de minha casa. Perguntei a minha mãe se ela tinha notícias de Mike, e ela disse que estava bem. Ia visitá-lo agora, e disse que estava vindo me buscar.
— Ah, você não vai.
— Por quê? – perguntei, confuso.
— Quero que fique aqui comigo.
Enfureci.
— Para que? Você continuar falando de Mariana?
— Não – sua voz subiu uma oitava – para a gente conversar, que droga, Guilherme!
— Vou visitar Mike, depois posso voltar.
— Não, pode ir e ficar em casa. Converse com Mariana, por mim, tudo bem? – sua voz agora era de ironia.
— Bruna – bronqueei, sincero. – pensei que era eu que estava sendo idiota. Vou ver Mike, está bem?
Ela esperou, fitando-me com os olhos cheios da amargura a qual eu detestava. Mas...
— Vou com você – rendeu-se ela, enquanto se levantava e foi ao seu enorme closet.

Segui os passos do doutor de Mike, de minha estatura. Ao chegar na porta de seu quarto, fitei-o, com uma agonia inexplicável. Estava deitado de lado, com o olhar de dó, imobilizado, na posição que ele só adquiria quando dormia profundamente. Seu rabo agitou-se quando me viu, e fui até ele, alterando a velocidade do balançar de sua cauda.
Mike logo levantou sua enorme cabeça para cima ao ver a silhueta familiar de Bruna, com seu rabo balançando duas vezes mais rápida que o normal. Com tentativas inúteis de tentar se levantar, Mike esperou pacientemente Bruna chegar até seu corpo. Ele lambeu as partes que conseguiram passar pelo alcance de sua enorme língua, como minhas mãos e o braço de Bruna. Brincamos com ele, dando-me o conforto e a alegria por vê-lo feliz. Ouvi atentamente a conversa de minha mãe, com olheiras pesadas e preocupação no rosto, com o simpático e bondoso médico. Pude decifrar pelas palavras difíceis, que Mike batera fortemente a cabeça em algo duro, talvez uma parede, e que estava meio inconsciente quando isso ocorreu. Ele já estava melhor. Também uma depressão afetava seu comportamento há alguns dias, mas nada que eu pude perceber, infelizmente. Arrastei a poltrona da parede até a maca onde estava Mike, fazendo Bruna sentar-se. Ela conversou com meu amigo em uma voz como de alguém que conversa com um bebê, coisa natural das mulheres. Nunca conversei com Mike com aquela voz, apenas com a minha normal. Ele parecia me entender melhor.
Ri baixinho, esperando não ter que explicar à Bruna. Mônica não parava de falar, mostrando minha verdadeira idade. A boca do médico se abriu, porque ele me dava treze anos, no mínimo. As brincadeiras e o apego ao labrador que minha mãe contava orgulhosamente e com todo o entusiasmo, como se aquilo fosse sua melhor glória, deixavam meu rosto ligeiramente corado.
Um latido estrondoso e impertinente rompeu minha observação. Mike reclamou que eu não estava fazendo carinho em sua cabeça. Passei os dedos no pêlo curto e liso de sua cabeça, fazendo ele se esfregar em mim como um gato.
Uau, eu venho visitar um cachorro, e o que eu recebo é um felino?
Não recebi resposta de Mike, apenas um riso semelhante a cristais se debatendo levemente, a risada de Bruna.
O doutor deu a alta à Mike, então pudemos levá-lo para casa. Não queriam que ele fizesse esforço até o estacionamento, então o deitaram na maca novamente. Colocaram no banco traseiro, enquanto eu sentava ao seu lado. Bruna sentou no banco do passageiro. Perguntei a ela se não gostaria de ficar em minha casa, com minha voz com tentativa falhada de parecer indiferente. Ela aceitou, e minha mãe partiu direto para casa.
Deixei Mike em sua cama habitual em meu quarto, na qual ele adormeceu facilmente. Sentei em minha cama, chamando Bruna comigo. Não recusando o convite, aconchegou-se em meu colo e me fitou.
— Que foi? – perguntei, asqueroso de brincadeira.
— Nada – sua voz não passou de um sussurro. Eu queria poder encurtar a distância entre nossos rostos, mas era impossível. Seu rosto se escondeu em meu peito quando eu ia falar alguma coisa. Liguei a TV pelo controle remoto, deixei em qualquer canal. Televisão estava virando um simples apetrecho em minha rotina. Eu não assistia nenhum programa ao certo.
Ouvi um fungar perto de minha clavícula. Bruna adorava sentir meu aroma, não sei ao certo o porquê. Sempre disse que gostava de meu cheiro, mas eu duvidava que ela apreciasse tanto quanto eu admirava o dela.
Um aroma natural inconfundível, misturado aos seus perfumes caros e extremamente bons.
Como uma droga, um vício. Nele, eu sentia prazer e esquecia todo o resto que me cercava.
Armani – sussurrou ela, repousando a cabeça perto de meu pescoço, fechando os olhos.
— Ficaria incomodada se eu perguntasse o porquê de você fazer isso? – perguntei, perplexo.
— Do que? – murmurou ela, sem abrir os olhos, a doçura pairando em sua voz.
— De me deixar louco.
Ela abriu os olhos, confusa. Olhou em meus olhos, levantando a cabeça. “Droga”, pensei. Eu estava começando a baixar a guarda.
— Como assim?
— Você me seduz, gata selvagem – eu disse, em um tom de pura brincadeira. Ela riu alto, colocando a cabeça novamente em meu peito, fechando os olhos de novo. Eu sabia como corrigir meus erros, mas queria que os mesmos pudessem mudar minha vida.
Acariciei seus cabelos amistosamente, fitando a TV. Troquei o canal com a mão livre, novamente deixando em um canal qualquer.
— E o Felipe? – questionei, para quebrar o silêncio intimidador. Perguntei-me se estaria tentando provocar a vingança.
Hmmm, bem – disse, em um tom um pouco diferente, mas ainda com os olhos fechados. Sua expressão de conforto mudara, agora para a dúvida.
— Tem conversado com ele? – engoli um pigarro, em uma de minhas tentativas inúteis de parecer indiferente, como se aquela fosse uma pergunta de rotina.
— Só o cumprimento na escola, às vezes falo com ele pelo celular.
Hmmm – respondi, indignado sobre minha capacidade de ser tão estúpido. Não havia nada de mais, e ela era indiferente. Ou parecia ser.
— Por quê? – fisgou-me ela. Seu tom era mais desconfiado, e seus olhos voaram para a TV.
— Curiosidade.
— Eu te conheço. Não é só isso.
— Apenas queria saber, Bruna... já que ele gosta de você, e você não.
Ela tirou sua mão disfarçadamente de meu corpo, fingindo coçar a cabeça.
— Parece ironia, não? Você querer que eu fique com alguém de quem não sinto atração.
— Como assim? Você que me deixa maluca, Gui. E juro que estou fazendo esforço pra pensar.
— Não pense – declarei. – Apenas entenda que não quero ficar com Mariana.
— Ora, tudo bem, você já disse – agora sua voz era irritada. – Não falo mais dela. Satisfeito?
— Sim. – suspirei. Logo depois, relaxei a cabeça no travesseiro de pé, enquanto ela se esforçava para tirar a raiva da mente. Ela conseguiu, então repousou de novo a cabeça em mim. Suspirei baixo, fechando os olhos.
Seu corpo no meu era uma cena repetitiva durante os dias, mas eu nunca enjoara daquilo. Impossível, eu sempre queria mais. Já fazia parte de mim havia muito tempo, e se essa parte se separasse de mim, eu estaria incompleto, logicamente.
Alguns minutos se passaram. Pareciam segundos, porque eu curtira o momento. Deixei meu coração se desacelerar, minha respiração ficar lenta. Pude ouvir apenas o respirar de Bruna, o volume da TV insignificante para mim.
Então, nossos olhos se encontraram.
— Guilherme – sibilou ela, com uma dor desconhecida nos olhos grandes e cinzas.
Hmmm?
— Me promete uma coisa?
— Eu sempre não prometo? – forcei um sorriso.
— Mas acho que desta vez você pode não cumprir... – seus olhos desviaram-se para baixo.
— Eu nunca deixaria de cumprir uma promessa, ainda mais se for para você – admiti, sem tomar vergonha na cara. Era óbvio que, se ela pedisse para eu prometer me afastar dela, eu não cumpriria.
— Quero que... quando você achar a pessoa certa para você, sua, digamos, “alma gêmea” – pois ela entre aspas, gesticulando com os dedos – ou simplesmente uma menina que você goste, quero que avise-me.
Elevei uma sobrancelha, em sinal de perplexidade. Depois, refleti bem e entendi:
— Você será a primeira pessoa a saber disto, quando acontecer - respondi. Meus olhos ainda estavam confusos.
Ela colocou as mãos em cima da minha e a agarrou, como se suplicasse pelo pedido.
— Estou falando mais sério do que imagina. Não acredita como ficaria magoada se você não cumprisse essa promessa.
— Também estou falando sério, mas não estou entendendo o porquê de você estar querendo que eu prometa uma coisa tão banal – olhei para fora, a lua me observava sob uma nuvem cinza. Um céu nevoeiro, traidor. Pude sentir como estaria frio lá fora, mas não mais do que lá dentro, no aconchego de meu quarto escuro.
— Estou fazendo isto porque quero estar preparada – ela continuou, agora olhando para sua mão agarrada à minha, corando ligeiramente – quero estar preparada para quando... eu te perder.
Um calafrio leve e traiçoeiro passou pela minha espinha.
— Você nunca vai me perder, está certo? – levantei seu queixo com a mão livre, olhando nos seus olhos. – Acho que agora posso entender... um pouco.
Ela não respondeu.
— Nunca. Ainda posso nos ver cada qual com uma família maravilhosa, feliz, e ainda sim sermos os mais loucos e pegajosos melhores amigos – blefei, sabendo que era inútil tentar enganar a mim mesmo. Não podia me enxergar longe de Bruna, ainda mais esfregar na cara dela a minha felicidade com outra pessoa.
— Você não entende – ela fechou os olhos, soltando minha mão. – Quando as pessoas se gostam de verdade, se amam ou gostam de estar perto uma da outra, abandonam um pouco as outras coisas. Quero que você me conte antes de todos saberem, para eu ser a primeira a ser preparada psicologicamente. Nego a me enxergar passando o dia na casa de Lílite ou Fabiana sete dias da semana. Nego a não ter você por inteiro.
Eu não sabia se chorava ou se ria. Ela podia estar brincando com a minha cara.
Não, não era típico dela.
— Por que esse egoísmo todo? – mudei o tom da voz, só que agora puramente honesto. Ela abriu os olhos pela minha reação, fitando-me intensamente, os olhos cheios de culpa.
— Não estou sendo egoísta, creio – sua voz também mudara, deixando o ar como eu detestava – Estou fazendo o contrário! Estou pedindo a você que me avise, para eu ficar preparada, e não ser egoísta depois, quando você estiver com a Mariana!
— Bruna! Pelo amor de Deus! Já cansei de falar que não quero que você fale da Mariana! Eu não gosto dela, será que você não entende? – gritei, irritado. Eu nunca gritara com Bruna daquela forma.
— Quero dizer, qualquer menina que futuramente você goste! – gritou ela também, respondendo à minha reação idiota e irracional – Mas já que você acha que estou sendo egoísta, não prometa nada. Vou estar pouco me lixando para quem você ficar – eu sabia que ela estava dizendo da boca para fora, um defeito horrendo de Bruna. Na discussão, ela dizia mentiras, mas o que realmente desejava fazer. Porém, eu sabia que ela era tão incapaz quanto eu de ignorar o que um fazia. Eu também era incapaz de ficar longe dela, se a situação fosse contrária.
O silêncio se prolongou. Pude ouvir o vento que batia violentamente o vidro da janela, e Mike se remexeu. Hesitei mais alguns instantes, preparado para abaixar meu orgulho.
— Desculpe – sussurrei – não vamos brigar, por favor, Bruna.
Seus olhos semicerram-se, balançando a cabeça negativamente de desgosto.
— Você é ridículo – ela disse, em uma voz mais calma, porém medonha. Seus olhos encontraram os meus, raivosos e doloridos. – Não precisa prometer nada, nem se desculpar. Acho que eu fui a idiota, aqui, então – declarou, ironizando a última frase.
Levantei-me da cama, não conseguiria ficar mais perto daquela Bruna que eu desconhecia. Andei lentamente pelo quarto, querendo fugir, querendo voltar a ser o covarde e tolo de sempre. Debrucei-me na escrivaninha a poucos metros da cama, fechando os olhos.
— Não sei o que você tem – murmurei, lutando contra as gotas que iam cair involuntariamente de meus olhos – Entendi a parte que, se eu achar a pessoa certa para mim, terei que avisá-la que não ficarei tanto com você. Mas por que você fala o nome de Mariana como se ela fosse a pessoa certa?
Ela não acreditou em minhas palavras.
— Talvez porque eu tenho visto ultimamente o quanto ela sofreu e sofre por você, amando você, praticamente. Não faz idéia de quanto ela gosta de você, mesmo com as poucas palavras que vocês trocam. Antes, quando você ao menos tinha um pouco mais do que conhecimento de que ela existia, ela falava às poucas amigas que você lançava um olhar para ela, demonstrando interesse. Mas ela estava se iludindo. Se você realmente quisesse alguma coisa com ela, teria me contado, não teria? – perguntou, como se brincasse que era eu que não contava as coisas a ela.
Dei um riso sem humor, com desprezo. Balancei a cabeça negativamente, depois a virei em sua direção, com os olhos de sarcasmo.
— Acha que sou eu que tenho que contar as coisas? Por que você não me contou isto?
A dor inundou seus olhos, empalidecendo seu rosto.
— Eu ia te contar.
— Já contou – lembrei a ela. – agora, pode sair.
Fechei os olhos novamente, pensando no que acabara de fazer. Não ouvi um passo, ou um movimento sequer de seu corpo. Pude ouvir, quase seus batimentos acelerados.
— Guilherme...
— Saia, por favor, Bruna.
Desta vez, ela retirou-se da cama, pegando seus pertences apressadamente. Abri os olhos, vi um vulto de seu rosto amargurado e expressando dor, apenas dor. Ela correu porta afora, quase voando sobre a escada. Mônica estava em seu quarto, ela nem se despedira, óbvio.
Ouvi o barulho da porta da sala se bater violentamente. Não esperei na janela, para ver seu corpo sair de minha visão da rua como fazia todas as vezes, pensando no dia que acabara de ter.
Não hoje.
Fechei a porta do meu quarto, passando a chave.






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